Questões Práticas: desaprender continuamente
Conversa
Centro de Memória de Vila do Conde15 de Dezembro 2018, 12h30 – 15h30
Inês Moreira (Arquitecta) e Susana Medina (Museóloga) + Rebecca Moradalizadeh (Artista plástica/performer) “LandMarks” #04—Archives of a (future) Journey
almoço vegetariano iraniano + performance
Centro de Memória de Vila do Conde
“O resultado de praticar mostra-se na “condição” atual, ou seja, no estado de capacitação do praticante. Conforme o contexto, descreve-se como constituição, virtude, virtuosismo, competência, excelência ou fitness. O sujeito visto como protagonista da sua sequência de treino, afirma e potencia o seu poder-fazer ao submeter-se aos seus exercícios típicos em que os que têm o mesmo tipo de dificuldade devem ser avaliados como exercícios de manutenção, enquanto os de grau crescente de dificuldade serão considerados exercícios de desenvolvimento.”
Peter Sloterdijk
Este ciclo de encontros é organizado em torno de momentos que se articulam entre si, em formatos distintos, com diferentes protocolos de participação. O programa utiliza diferentes ferramentas e dinâmicas de interacção, promovendo o envolvimento do público nas questões em discussão. Pretende-se dar a conhecer, com a ajuda de diversos convidados, práticas de escrita, de performance, de pensamento, de transmissão e de acção colaborativa, dando ênfase ao entendimento da prática enquanto elemento de transformação do indivíduo e da sua actividade. Cada encontro procurará promover a reflexão num exercício constante de activação do imaginário social, poético e político dos participantes e dos convidados. Procurando intersecções entre práticas artísticas e não artísticas, iremos examinar estratégias de trabalho, de comunicabilidade, de sobrevivência e de produção de discurso.
Coordenação: Joclécio Azevedo
Há uma grande necessidade de retornar às origens longínquas.
Pérsia. Um fascínio.
Nunca lá fui. Ainda não posso.
Para além da família, tão distante, mas tão perto,
as únicas heranças e lembranças retidas que atravessaram as fronteiras
– os aromas e os sabores.
Trago-os para perto de mim. Re-Crio.
Dou a conhecer.
LandMarks, Rebecca Moradalizadeh, 2015
A série LandMarks, apresenta-se como um work in progress que teve origem em 2015 e foi concebida no âmbito de uma investigação artística dedicada à minha identidade genética, alusiva às minhas raízes iranianas.
O interesse por este tema surgiu pelo facto de ter havido uma separação territorial e geográfica criada à nascença – separação esta, de índole natural – que suscitou, ao longo dos anos, um desejo de retornar a essas origens, em busca de informações e referências que recuperassem a integridade dessa identidade, tendo como recursos principais de expressão as artes plásticas, a performance art e a gastronomia.
Neste projeto escavo memórias, coleciono vestígios, conto e recrio uma (nova) história.
Baseando-me em fragmentos sensoriais que permaneceram intrínsecos, até hoje, no meu corpo, na minha memória – desde flashbacks de pequenos momentos de convívio com a família iraniana decorridos pela primeira vez em Londres; os gestos, as posturas, os comportamentos característicos dos seus corpos; a sonoridade do idioma escutada nas conversações aos aromas e os sabores fortes e distintos obtidos pela gastronomia – apoio-me também num arquivo fotográfico e videográfico (familiar), que complementam as falhas desses vestígios intangíveis, para originar este corpo de trabalho.
Mas, se por um lado LandMarks sustenta-se numa base poética e sensorial proveniente dessas memórias e arquivos (que caracterizam a identidade genuína e genética) por outro, também começa a introduzir nas suas histórias situações pontuais de caráter burocrático que se sucederam entre 2015 e 2018, referentes à obtenção da minha identidade oficial iraniana.
Nascida em Londres, de mãe portuguesa/cristã e pai iraniano/muçulmano a oficialização desta união em 1989 não teria sido efetuada dentro dos parâmetros jurídicos do sistema da República Islâmica do Irão, o que mais tarde inviabilizou a minha viagem e entrada no país até à data.
Iniciou-se então em 2015 um processo para contornar essa lacuna e validar a minha descendência, por direito, perante esse sistema. Um processo que embora tenha sido moroso, árduo e por vezes incongruente, foi simultaneamente ritualístico e inspirador.
A série LandMarks, que utiliza a comida, a alimentação, os alimentos e a sua simbologia como um meio e como principal matéria “artística” associada aos conteúdos descritos anteriormente, conta com quatro trabalhos: LandMarks #1, um trabalho em vídeo que revela a descoberta da identidade iraniana através da comida, sugerindo uma recriação pessoal identitária; LandMarks #2, uma série fotográfica criada para a publicação Plankton, de Patrícia Matos sobre a fusão das artes com a comida, em que os elementos fotografados possuem conceções simbólicas da cultura persa em associação aos conceitos pessoais dessa identidade; LandMarks #3 – a question of identity, um jantar-performance que se incide no culminar do processo e desenvolvimento burocrático da marca oficial e LandMarks #3.1- The Process, um díptico fotográfico que apresenta um retrato meu do dia em que decorreu a primeira parte da oficialização iraniana na mesquita islâmica de Lisboa em 2017.
Para o primeiro momento do programa Questões Práticas: desaprender continuamente decorrido no passado dia 15 de dezembro de 2018, na Casa da Memória, em Vila do Conde, foi proposta uma continuidade deste trabalho em série, apresentando uma nova performance intitulada LandMarks #4 – Archives of a (Future) Journey, onde se alia a gastronomia (no formato de um almoço) à performance ritual em torno da ideia da Viagem.
A viagem possui uma forte simbologia ao longo do processo: em primeiro, tem como referência a imagem da minha avó paterna que quando vinha de visita a Portugal, trazia consigo objetos, alimentos e aromas entranhados na sua pele que me remetiam automaticamente para esse lado do mundo; em segundo, porque se associa ao desejo crescente, sentido ao longo destes anos, de poder um dia viajar para o Irão e conhecer uma cultura que apenas conheci à distância e em terceiro, porque foi através deste desejo de querer viajar que a oficialização da minha identidade se iniciou.
Todos estes fatores foram determinantes para a conceção e organização da performance em si.
Em LandMarks #4 – Archives of a (Future) Journey a performance teve início apenas comigo, numa cozinha, onde foram recriadas várias receitas iranianas, resultantes de um trabalho de investigação mais aprofundado iniciado em 2013.
Já no espaço de ação principal, no Centro de Memória, encontrava-se um outro cenário: uma longa mesa térrea composta por tapetes, circundada por almofadas; um som de fundo tradicional composto de variados instrumentos persas como o santur, o daf, as vozes sinuosas de léxico quase onomatopaico; ao fundo da sala, chávenas de cor avermelhada, aroma suave, gosto amargo contendo chá de flor de hibisco que iam circulando, de mão em mão; uma mala de viagem que arquivava diversos objetos e um vídeo de arquivo em loop constante revelando as vivências e os relatos da família Moradalizadeh.
O público, com presença ativa ao longo da performance, era convidado a entrar, a descalçar, a sentar e a incorporar aquela que viria a ser também uma experiência de viagem interna, pessoal e individual, providenciada pela ambiência criada, pela postura e gestos dos seus corpos, pela degustação dos alimentos, dos aromas e dos sabores confecionados e pelas intervenções performativas ritualísticas que iam surgindo pontualmente.
As intervenções performativas, que se focavam na manipulação dos objetos contidos na mala presente no cenário, revelaram: um vestido florido, comprido vindo do Irão, que serviu para incorporar a (nova) identidade; um conjunto de pequenos frascos de vidro com várias especiarias de cores quentes e aromas intensos que percorriam pelo público para que este pudesse sentir e cheirar; um almofariz para moer, misturar essas especiarias que foram espalhadas no meu corpo; um texto pessoal que foi narrado; um conjunto de fotografias que foram dispostas ao longo da mesa e que se fundiram com percursos e linhas singelas criadas a partir das especiarias sobrantes contidas nos frascos.
Por fim, derramou-se um frasco de água por cima desse percurso aromático, um rito usual na cultura persa como símbolo de purificação e desejo de uma viagem próspera e segura.
Certamente essa nova etapa – a viagem – prevista para 2019, aos 29 anos, trará novas inspirações, sensações, informações, arquivos e vestígios para futuros trabalhos com base, pela primeira vez, na experiência e vivência presencial no próprio país.
Rebecca Moradalizadeh, fevereiro de 2019
Palavras-chave: Arquivo; Família; Memória; Território; Identidade; Viagem; Gastronomia; Aromas.
LandMarks #1: http://rebeccamoradalizad.wixsite.com/visualartist/landmarks
LandMarks #2: http://rebeccamoradalizad.wixsite.com/visualartist/landmarks-2
LandMarks #3: http://rebeccamoradalizad.wixsite.com/visualartist/landmarks-3-ffp
LandMarks #3.1: http://rebeccamoradalizad.wixsite.com/visualartist/landmarks-3-1
LandMarks #4 - http://rebeccamoradalizad.wixsite.com/visualartist/landmarks-4
https://www.facebook.com/shirinvegetariancuisine/
Inês Moreira (Arquitecta) e Susana Medina (Museóloga) + Rebecca Moradalizadeh (Artista plástica/performer) “LandMarks” #04—Archives of a (future) Journey
almoço vegetariano iraniano + performance
Centro de Memória de Vila do Conde
“O resultado de praticar mostra-se na “condição” atual, ou seja, no estado de capacitação do praticante. Conforme o contexto, descreve-se como constituição, virtude, virtuosismo, competência, excelência ou fitness. O sujeito visto como protagonista da sua sequência de treino, afirma e potencia o seu poder-fazer ao submeter-se aos seus exercícios típicos em que os que têm o mesmo tipo de dificuldade devem ser avaliados como exercícios de manutenção, enquanto os de grau crescente de dificuldade serão considerados exercícios de desenvolvimento.”
Peter Sloterdijk
Este ciclo de encontros é organizado em torno de momentos que se articulam entre si, em formatos distintos, com diferentes protocolos de participação. O programa utiliza diferentes ferramentas e dinâmicas de interacção, promovendo o envolvimento do público nas questões em discussão. Pretende-se dar a conhecer, com a ajuda de diversos convidados, práticas de escrita, de performance, de pensamento, de transmissão e de acção colaborativa, dando ênfase ao entendimento da prática enquanto elemento de transformação do indivíduo e da sua actividade. Cada encontro procurará promover a reflexão num exercício constante de activação do imaginário social, poético e político dos participantes e dos convidados. Procurando intersecções entre práticas artísticas e não artísticas, iremos examinar estratégias de trabalho, de comunicabilidade, de sobrevivência e de produção de discurso.
Coordenação: Joclécio Azevedo
Há uma grande necessidade de retornar às origens longínquas.
Pérsia. Um fascínio.
Nunca lá fui. Ainda não posso.
Para além da família, tão distante, mas tão perto,
as únicas heranças e lembranças retidas que atravessaram as fronteiras
– os aromas e os sabores.
Trago-os para perto de mim. Re-Crio.
Dou a conhecer.
LandMarks, Rebecca Moradalizadeh, 2015
A série LandMarks, apresenta-se como um work in progress que teve origem em 2015 e foi concebida no âmbito de uma investigação artística dedicada à minha identidade genética, alusiva às minhas raízes iranianas.
O interesse por este tema surgiu pelo facto de ter havido uma separação territorial e geográfica criada à nascença – separação esta, de índole natural – que suscitou, ao longo dos anos, um desejo de retornar a essas origens, em busca de informações e referências que recuperassem a integridade dessa identidade, tendo como recursos principais de expressão as artes plásticas, a performance art e a gastronomia.
Neste projeto escavo memórias, coleciono vestígios, conto e recrio uma (nova) história.
Baseando-me em fragmentos sensoriais que permaneceram intrínsecos, até hoje, no meu corpo, na minha memória – desde flashbacks de pequenos momentos de convívio com a família iraniana decorridos pela primeira vez em Londres; os gestos, as posturas, os comportamentos característicos dos seus corpos; a sonoridade do idioma escutada nas conversações aos aromas e os sabores fortes e distintos obtidos pela gastronomia – apoio-me também num arquivo fotográfico e videográfico (familiar), que complementam as falhas desses vestígios intangíveis, para originar este corpo de trabalho.
Mas, se por um lado LandMarks sustenta-se numa base poética e sensorial proveniente dessas memórias e arquivos (que caracterizam a identidade genuína e genética) por outro, também começa a introduzir nas suas histórias situações pontuais de caráter burocrático que se sucederam entre 2015 e 2018, referentes à obtenção da minha identidade oficial iraniana.
Nascida em Londres, de mãe portuguesa/cristã e pai iraniano/muçulmano a oficialização desta união em 1989 não teria sido efetuada dentro dos parâmetros jurídicos do sistema da República Islâmica do Irão, o que mais tarde inviabilizou a minha viagem e entrada no país até à data.
Iniciou-se então em 2015 um processo para contornar essa lacuna e validar a minha descendência, por direito, perante esse sistema. Um processo que embora tenha sido moroso, árduo e por vezes incongruente, foi simultaneamente ritualístico e inspirador.
A série LandMarks, que utiliza a comida, a alimentação, os alimentos e a sua simbologia como um meio e como principal matéria “artística” associada aos conteúdos descritos anteriormente, conta com quatro trabalhos: LandMarks #1, um trabalho em vídeo que revela a descoberta da identidade iraniana através da comida, sugerindo uma recriação pessoal identitária; LandMarks #2, uma série fotográfica criada para a publicação Plankton, de Patrícia Matos sobre a fusão das artes com a comida, em que os elementos fotografados possuem conceções simbólicas da cultura persa em associação aos conceitos pessoais dessa identidade; LandMarks #3 – a question of identity, um jantar-performance que se incide no culminar do processo e desenvolvimento burocrático da marca oficial e LandMarks #3.1- The Process, um díptico fotográfico que apresenta um retrato meu do dia em que decorreu a primeira parte da oficialização iraniana na mesquita islâmica de Lisboa em 2017.
Para o primeiro momento do programa Questões Práticas: desaprender continuamente decorrido no passado dia 15 de dezembro de 2018, na Casa da Memória, em Vila do Conde, foi proposta uma continuidade deste trabalho em série, apresentando uma nova performance intitulada LandMarks #4 – Archives of a (Future) Journey, onde se alia a gastronomia (no formato de um almoço) à performance ritual em torno da ideia da Viagem.
A viagem possui uma forte simbologia ao longo do processo: em primeiro, tem como referência a imagem da minha avó paterna que quando vinha de visita a Portugal, trazia consigo objetos, alimentos e aromas entranhados na sua pele que me remetiam automaticamente para esse lado do mundo; em segundo, porque se associa ao desejo crescente, sentido ao longo destes anos, de poder um dia viajar para o Irão e conhecer uma cultura que apenas conheci à distância e em terceiro, porque foi através deste desejo de querer viajar que a oficialização da minha identidade se iniciou.
Todos estes fatores foram determinantes para a conceção e organização da performance em si.
Em LandMarks #4 – Archives of a (Future) Journey a performance teve início apenas comigo, numa cozinha, onde foram recriadas várias receitas iranianas, resultantes de um trabalho de investigação mais aprofundado iniciado em 2013.
Já no espaço de ação principal, no Centro de Memória, encontrava-se um outro cenário: uma longa mesa térrea composta por tapetes, circundada por almofadas; um som de fundo tradicional composto de variados instrumentos persas como o santur, o daf, as vozes sinuosas de léxico quase onomatopaico; ao fundo da sala, chávenas de cor avermelhada, aroma suave, gosto amargo contendo chá de flor de hibisco que iam circulando, de mão em mão; uma mala de viagem que arquivava diversos objetos e um vídeo de arquivo em loop constante revelando as vivências e os relatos da família Moradalizadeh.
O público, com presença ativa ao longo da performance, era convidado a entrar, a descalçar, a sentar e a incorporar aquela que viria a ser também uma experiência de viagem interna, pessoal e individual, providenciada pela ambiência criada, pela postura e gestos dos seus corpos, pela degustação dos alimentos, dos aromas e dos sabores confecionados e pelas intervenções performativas ritualísticas que iam surgindo pontualmente.
As intervenções performativas, que se focavam na manipulação dos objetos contidos na mala presente no cenário, revelaram: um vestido florido, comprido vindo do Irão, que serviu para incorporar a (nova) identidade; um conjunto de pequenos frascos de vidro com várias especiarias de cores quentes e aromas intensos que percorriam pelo público para que este pudesse sentir e cheirar; um almofariz para moer, misturar essas especiarias que foram espalhadas no meu corpo; um texto pessoal que foi narrado; um conjunto de fotografias que foram dispostas ao longo da mesa e que se fundiram com percursos e linhas singelas criadas a partir das especiarias sobrantes contidas nos frascos.
Por fim, derramou-se um frasco de água por cima desse percurso aromático, um rito usual na cultura persa como símbolo de purificação e desejo de uma viagem próspera e segura.
Certamente essa nova etapa – a viagem – prevista para 2019, aos 29 anos, trará novas inspirações, sensações, informações, arquivos e vestígios para futuros trabalhos com base, pela primeira vez, na experiência e vivência presencial no próprio país.
Rebecca Moradalizadeh, fevereiro de 2019
Palavras-chave: Arquivo; Família; Memória; Território; Identidade; Viagem; Gastronomia; Aromas.
LandMarks #1: http://rebeccamoradalizad.wixsite.com/visualartist/landmarks
LandMarks #2: http://rebeccamoradalizad.wixsite.com/visualartist/landmarks-2
LandMarks #3: http://rebeccamoradalizad.wixsite.com/visualartist/landmarks-3-ffp
LandMarks #3.1: http://rebeccamoradalizad.wixsite.com/visualartist/landmarks-3-1
LandMarks #4 - http://rebeccamoradalizad.wixsite.com/visualartist/landmarks-4
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