Sweat Sweat Sweat (um conjunto de pequenos afrontamentos)
Sónia Baptista
Dança/Performance/Teatro
Auditório Municipal de Vila do Conde21 Set (Sáb) | 22:30
M/12 | Duração: 1h25 (aprox.) | 5 € | bilhete combinado (permite acesso ao espectáculo de Mette Ingvartsen)
Sessão com Língua Gestual Portuguesa
Se, há vinte anos, a minha primeira série de peças curtas foi a do fim da juventude, esta segunda série de peças curtas será a do fim da idade adulta. Se a minha primeira série de peças curtas celebrava o verão desabrochante de desejo e possibilidades, esta marca o fim do verão, do cheiro do outono que vem, de mudanças que se adivinham, no corpo e no espírito, de um habitar um corpo que se transforma e um estado que se instala, que se aceita, que se acolhe. Na filosofia chinesa é observada uma quinta estação do ano, o verão tardio, um período expectante, de preparação para um novo estado, sereno e reconfortante. Nesta minha cronologia de vida é aí que eu me sinto, me revejo, vivendo um verão tardio, preparando-me para a outra metade da minha vida, fisicamente, emocionalmente, artisticamente.
Diz-se que o verão é nostálgico, que traz muitas memórias, memórias de outros verões. Estes pequenos poemas performáticos serão talvez, no fundo, postais de verão. Wish you were here…
— Sónia BaptistaCriação e Interpretação: Sónia Baptista | Desenho de Luz: Daniel Worm | Vídeo: Aya Koretzky, Jorge Jácome, Raquel Melgue | Espaço Cénico: Bruno Bogarim, Raquel Melgue, Sónia Baptista | Figurinos: Lara Torres, Sónia Baptista | Direção de produção: Maria João Garcia | Consultora de produção: Elisabete Fragoso | Comunicação: Cláudia Duarte | Com a participação de: Mariana Ricardo, Ana Pais, Joana Levi, Isabela Figueiredo, Joacine Katar Moreira, Alice Azevedo, Maayan Sophia Weisstub | Edição: Flan de Tal | Co-produção: Alkantara, Citemor, Circular, Paragem | Residência de Co-produção: O Espaço do Tempo – Pró Dança | Apoio Financeiro: Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação GDA | Projecto financiado por: Direção Geral das Artes | Apoios: Hippotrip, Salina Greens, Central de Cervejas, Teatro Praga, Festival Queer Lisboa, Estúdios Vitor Córdon | Agradecimentos: David Cabecinha, Carla Nobre Sousa, Armando Valente, Dina Magalhães, Nelson Guerreiro, Filipa Brito, João Pedro Azul, Isidro Paiva, Sérgio Fazenda Rodrigues, Mariana Ricardo, Joana Neves, Maria João Garcia, Carmen Inácio e sus Muchachos, Miguel Lobo Antunes, Daniel Tércio & Guest, Mário Afonso, Miguel Pereira, Guida Moura, Carla Bolito, Adriana Bolito, Margarida Campelo, Maria João Guardão, Cristina Correia, Ana Água, Alípio Padilha, João Lemos, João Ferreira, António Gouveia, Rodrigo Gomes, Inês Gonçalves, Sofia Fernandes, Miguel Freitas, Nanica, Patrícia Andrade
Sobre
Sweat, Sweat, Sweat (um conjunto de pequenos afrontamentos) é a mais recente criação de Sónia Baptista, um espectáculo que se debruça sobre o seu próprio presente: um período de transição corporal e mental marcado pelo final da idade adulta e aparecimento da menopausa, que se traduz pela associação metafórica que a mesma faz do seu corpo com a personagem fantástica com que mais se identificava na infância: a sereia.
Aqui, toda a cenografia é composta por objectos decorados com elementos alusivos à praia. À esquerda do palco, é notável a presença de um biombo azul-turquesa (usado para múltiplas mudanças de figurino), que dispõe na sua superfície múltiplas colagens de papel que entre fotografias de conchas e diferentes partes do corpo de bonecas de porcelana criam figuras alegóricas de ideias sobre indivíduo feminino, amor e sexualidade. Em frente, no chão, podem-se observar várias velharias de tons de creme e branco, entre pequenas caixas e espelhos de mesa, até figuras porcelana de animais e de senhoras, que poderíamos encontrar na casa das nossas avós. Nos restantes dois terços do palco, encontra-se um ecrã que, por vezes, projecta imagens ilustrativas do discurso, mas é usado maioritariamente para apresentar pequenos vídeos, em estilo de ensaio artístico sempre com um cunho cómico, sobre pensamentos fugazes acerca de possíveis sintomas da menopausa.
Em termos da narrativa, a premissa que serve como enunciado para tudo aquilo que é visto em cena é de que Sónia servirá para a audiência como uma espécie de mentora sobre a vida feminina, dando-lhe “lições de sereia”, sempre embutidos numa estética, que a própria enuncia como sendo “mermaidcore” (especialmente nos figurinos), certamente imprópria para a estação do ano.
Já a associação metafórica entre o seu corpo e a figura da sereia, certamente remete para a ideia estigmatizante do corpo em menopausa se colocar numa dinâmica de “monstruosidade” fantástica, que ao mesmo tempo sugere curiosidade nos quais isso lhe é desconhecido, mas, para Sónia, serve como emblema de uma nova forma de libertação e autoconsciência da sua permanência como mulher relevante, válida e, também, “muito sexy”. Portanto, consciente e divertida, Sónia compõe cenas que podem ser vistas como sketches, sobre momentos particulares da sua vida, como é exemplo a exposição que esta faz (e veste) de uma colecção de cinco camisolas “foleiras”, cada uma ilustrando visualmente a ideia que esta tem das diferentes fases da sua vida, de dez em dez anos, sendo explicadas pela mesma em forma de um haiku meio desleixado. Entre histórias de amor e sexualidade, embutidas em nostalgias do sofrimento, esta cena é essencial para o entendimento da ideia que Sónia passa sobre a sua relação com a sua própria identidade. Isto porque fazer cinquenta anos não é simplesmente passar-se a ser uma mulher adulta, que agora entra para a última fase da sua vida, mas que ter cinquenta anos é, também, ter quarenta, ter trinta, ter vinte e ter dez anos.
Esta peça não só serve como o testemunho pessoal da autora, escrito através do movimento e da proliferação do seu discurso, comov uma espécie de múltiplas entradas num diário performativo, mas também acaba por resultar numa partilha íntima, bastante direta, com todos os espectadores, sendo feito um esforço acrescido por quem apresenta (e simultaneamente cria), produzindo um grau de relação mútua entre performer e espectador. É um desabafo franco e sem qualquer tipo de romantização, que ao mesmo tempo mostra as frustrações e o “à vontade”, com grande aceitação, que Sónia sente nesta transição. Bebendo um pouco de alguns silêncios do público ou pausas no discurso, é criada, por momentos, uma atmosfera de constrangimento que, juntamente com a sensação DIY de todo o espaço cénico, reforça ainda mais a entrada para os cinquenta como um espaço cinzento próprio de um rito de passagem. Com o final do espectáculo, com a criação de um espírito de comunhão ativo entre Sónia e nós, não há sequer espaço para bater palmas, algo que acho imprescindível para a concretização da obra, como uma “manta de retalhos” de experiências da vida e da arte, em que participamos e levamos com ela noções sobre o final da vida adulta como uma continuação do crescimento e da aprendizagem. É, então, neste “verão tardio” invocado (e acompanhado) que tomamos a preparação para o outono que virá, numa tentativa de o entender e sobretudo de o aceitar como válido e apetecível, tal como a juventude.
— Beatriz Carola (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)
Sónia Baptista (Lisboa 1973). Tem o Curso de Intérpretes de Dança Contemporânea do Fórum Dança. Obteve, com distinção, o grau de Master Researcher in Choreography and Performance da Universidade de Roehampton em Londres, Reino Unido. A sua formação foi complementada com diversos workshops de dança, música, teatro e vídeo. Frequentou o curso de História da Arte da FCSH. Como intérprete e co-criadora colaborou com vários artistas e companhias, entre eles, Laurent Goldring, Patrícia Portela, Aldara Bizarro, Vera Mantero, Thomas Lehmann, Arco Renz, Teatro Cão Solteiro, AADK, Ligia Soares, Silvia Real, Clara Amaral.
No seu trabalho explora e experimenta com as linguagens da Dança, Música, Literatura, Teatro e Vídeo.Em 2001, foi-lhe atribuído o Prémio Ribeiro da Fonte de Revelação na área da Dança pelo Ministério da Cultura por Haikus (o seu primeiro trabalho). Das suas posteriores criações destaca Icebox Fly. Winter Kick (2003), Subwoofer (2006), Vice-Royale.Vain-Royale.Vile-Royale (2009), Peaufine (2011), Tempus Fugit (2012), Today is it a squirrel? (2013), in the fall the fox, e na queda raposar (2014), Assentar sobre a Subida das Águas (2016), Querer do Corpo, Peso (2017), Triste In English From Spanish (2017), I Call Her Will (2019) e Sozinhar (2019). Em 2019 cria duas peças com finalistas dos curso de teatro da ESTAL e ESTC, Lobisomem- The Musical e O Fuck! Brexit, co-encena a ópera TNSoMDN, co-cria Mise en bime e Could Be Worse. Em 2020 inicia um projecto com a CNB, Planeta Dança, e estreia The Anger! The Fury! no Festival Alkantara. Em 2022 estreia WOW na Culturgest, e a co-criação com Aldara BIzarro, Rrrreexistir reencontrar, no Teatro S. Luiz. Em 2023, estreia Sweat, Sweat, Sweat no Festival Alkantara. Em 2024 estreia Dykes On Ice no TBA. Escreve textos dramatúrgicos para outros criadores e coreografa para cinema, vídeo e teatro, entre eles Miguel Clara Vasconcelos, André Godinho, Teatro Praga, Ricardo Neves-Neves, Cão Solteiro.Tem oito livros publicados e inúmeros ensaios, poemas e escritos em revistas e plataformas digitais. Colabora com o Fórum Dança, PED e FOR, com a ESD, ESTC, UM, UE e a ESTAL e com a CNB em projectos de pedagogia, criação, escrita e reflexão. Ao longo do seu percurso artístico o seu trabalho foi apoiado pelo Ministério da Cultura/Direcção-Geral das Artes, Fundação Calouste Gulbenkian, GDA e Centro Nacional de Cultura. O seu trabalho tem sido apresentado em vários Festivais e Teatros em Portugal e no estrangeiro. Artista Associada da AADK Portugal.