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  • © Bibliothèque Nationale de France

  • © André Guedes

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Sonia, Charles, Robert, Beatriz, Eduardo, Amadeo, Samuel
uma intervenção de André Guedes
Av. Bento Freitas, entre a marginal e o jardim da Av. Júlio Graça
31 Maio (sáb) 2025 14:00-20:00


Visita guiada: 17:00 | Av. Júlio Graça (ao coreto) | Acesso livre
“Já em Vila do Conde, assim que chegámos à Simultanée (nome que demos à casa que alugámos por um período indeterminado pois não sabíamos quando poderíamos regressar a Paris), quisemos ir ver o mar e a praia de que tanto falavam. Beatriz, a rapariga que nos viera auxiliar nas tarefas domésticas, preparou um cesto com fruta, pão, queijo e carnes frias para levarmos. Alugámos sete barracas, uma para cada um. Contámos com o Amadeo e o Samuel, pois disseram que chegariam ao início da tarde (o que acabou por não acontecer). Na praia a luminosidade era magnífica, cristalina, quente e fresca ao mesmo tempo, só que lamentavelmente toldada por um vento constante. Tal era a intensidade que, pouco depois, os panos das barracas começaram a soltar-se e a esvoaçar agarrados às madeiras. Foi um verdadeiro espetáculo... Criaturas animadas, vestidas com figurinos às riscas, colocados de maneiras distintas no corpo, dançando ritmicamente no ar. Pensei nas roupas de praia da Gabrielle, e disse para mim, ‘Lá na praia de Deauville as apresentações de modelos não têm seguramente este gabarito...’ Entretanto, com esse vento foi-se o lindo chapéu em ráfia azul que comprara semanas antes em Barcelona. Comemos pernas-de-pau no café da praia antes de regressarmos ao quintal da casa, onde ficámos a descansar de toda aquela ventania. Charles entreteve-se a observar as plantas que nasciam espontaneamente na terra misturada com a areia da praia. E eu, sentada a meio do terreno, no poço, ao olhar a fachada traseira, comecei a imaginar que poderia ali trabalhar nos grandes formatos que andava desejosa de experimentar. Possivelmente teríamos no vento um bom aliado para secar as telas.” [Sonia Delaunay, diário de Vila do Conde, nunca encontrado]



Entre o final de Maio de 1915 e Março de 1916, durante a 1.ª Guerra Mundial, um casal de artistas emigrados, Sonia e Robert Delaunay e o filho Charles, alugam, com o seu amigo, o pintor lisboeta Eduardo Viana, uma casa na Rua Bento Freitas em Vila do Conde. Esta rua, hoje avenida, era, no início do século XX, uma via estruturante por onde circulava o elétrico que ligava o centro da vila à frente marítima e à Póvoa de Varzim.

É nesta casa, La Simultanée, em que, durante esse breve período, irão passar dois outros artistas seus amigos, Amadeo de Sousa Cardoso e Samuel Halpert. Nessa discreta moradia, recolhida de um mundo em conflito, nos percursos na cidade, e nos seus arredores, são partilhados e engendrados planos que iriam mobilizar e constituir uma rede artística em distintas geografias europeias, e até a realização de um projeto de colaboração coletiva designado La Corporation Nouvelle, envolvendo Sonia, Robert, Amadeo, Viana e Almada Negreiros, e que por vicissitudes várias, acabou por não ganhar o impulso devido.

A intervenção Sonia, Charles, Robert, Beatriz, Eduardo, Amadeo, Samuel, composta por sete barracas de praia dispostas ao longo do eixo da Avenida Bento de Freitas, evoca as sete pessoas que habitaram e trabalharam comunalmente na La Simultanée, num dia ficcional com fortes rajadas de vento. Na geografia atual de Vila do Conde, bastante idêntica àquela de há um século atrás, podemos bem imaginar, se quisermos, os espectros da residência laboratorial dessa ultra-modernidade que esteve em Vila do Conde.

Agradecimentos: Eduardo Bompastor, Concessionário Praia do Turismo

- O primeiro momento do projecto - Transnacionalidade e simultaneísmo: estratégias de mobilidade e criação numa Europa em conflito - uma conversa com Cláudia Pereira, Joana da Cunha Leal e André Guedes - realizado a 7 de Dezembro de 2024, pode ser consultado [aqui]

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Microcidades constitui-se através de uma programação anual que interroga a relação do corpo com o espaço e da cidade com os seus habitantes, partindo do complexo tecido de realidades humanas e materiais que compõem o espaço urbano e das suas fricções, vulnerabilidades e especificidades. 
 
Este projeto incentiva o desenvolvimento de processos artísticos que possam procurar novas formas de experimentar a cidade enquanto espaço comum, propondo novas configurações em torno de matérias como corpos, edifícios, espaços públicos, relatos históricos, instituições e práticas de documentação. De que forma as cidades se manifestam no imaginário de quem as visita? Como não reduzir a cidade aos seus aspetos mais visíveis? Como olhar para a cidade enquanto criação coletiva?
 
Microcidades materializa-se em diversos formatos de atividades investigativas e colaborativas como residências artísticas, conversas, eventos públicos, performances, caminhadas ou instalações. Propõe uma viagem sem mapa, um exercício de criação e investigação que toma como ponto de partida o concelho de Vila do Conde, percorrendo realidades visíveis e invisíveis, lugares que podem ser também repositórios de imagens da cidade e das suas formas de reconhecer o passado, na urgência de esboçar horizontes futuros.
 
Em 2023, Rita Castro Neves e Daniel Moreira apresentaram a performance/caminhada performativa “Holofáutico” nos Estaleiros Navais de Azurara. Em 2024, André Guedes começa a desenvolver, em residência artística, um trabalho à volta do casal Sonia e Robert Delaunay partilhando parte da sua investigação numa conversa pública intitulada “Transnacionalidade e Simultaneísmo: Estratégias de Mobilidade e Criação numa Europa em Conflito”, que contou com a participação da historiadora de arte Joana Cunha Leal e da antropóloga Cláudia Pereira. O trabalho de André Guedes irá concluir-se em 2025 com a apresentação de  “Sonia, Charles, Robert, Beatriz, Eduardo, Amadeo, Samuel” uma intervenção efémera no espaço público. Também em 2025, a artista visual Susana Mendes Silva apresentará “Mulheres ao mar”, uma performance sonora nas piscinas municipais do Mindelo que evoca as pescadeiras de Vila Chã.

Curadoria Microcidades: Joclécio Azevedo